A gestão de benefícios gera uma série de dúvidas nos profissionais do setor de RH. Uma delas, bastante comum e pertinente, é sobre o pagamento de vale-transporte em dinheiro. Afinal, essa prática é permitida por lei? Quais são os riscos que a empresa corre ao adotá-la?
Bom, a resposta para a primeira pergunta é: não, salvo exceções. Já a segunda pergunta requer uma explicação um pouco mais detalhada. É o que você encontrará neste artigo. Vamos explicar em quais situações esse benefício pode ser pago em dinheiro, quais são os problemas de não seguir a legislação e como fazer para evitá-los. Confira!
A empresa pode pagar o vale-transporte em dinheiro?
Como dissemos na introdução do texto, o pagamento de vale-transporte em dinheiro é proibido de acordo com o artigo 5º do Decreto nº 95.247/1987, que diz: “é vedado ao empregador substituir o vale-transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento”. Isso inclui a substituição do benefício pelo vale-combustível.
Contudo, o parágrafo único do mesmo artigo contempla o tratamento de casos nos quais exista a impossibilidade de oferta antecipada dos créditos pela fornecedora. Nessa situação, o empregado arca com as despesas do deslocamento e é ressarcido integralmente na folha subsequente.
Ou seja, apenas se o valor do cartão for insuficiente e não for possível recarregá-lo a tempo, o empregado paga suas passagens, e a empresa devolve a ele com o pagamento do mês seguinte.
Quais são os problemas dessa prática?
Mesmo sendo uma prática ilegal, muitas empresas utilizam esse meio para fornecer o benefício aos funcionários. Isso gera riscos importantes, e destacamos os mais graves logo abaixo.
Aumento na carga tributária
O benefício do vale-transporte não compõe a base de cálculo de rendimentos do trabalhador. O que significa que, sobre ele, não incidem recolhimentos como FGTS, INSS e IR.
Quando a empresa realiza o pagamento dele incorporado ao salário, automaticamente o valor da base de cálculo é maior, gerando o pagamento de mais impostos. Os prejuízos são percebidos por ambos os lados, não sendo uma prática vantajosa para ninguém.
Geração de passivo trabalhista
Para fugir dos custos presentes no tópico anterior, muitas empresas optam por fazer a negociação com o empregado “por fora”. Em outras palavras, o pagamento do vale-transporte é feito em dinheiro, em mãos, sem registro em folha. Apesar de evitar o aumento na carga tributária, essa prática gera um passivo trabalhista muito grave e é ainda mais prejudicial à organização.
Trata-se de uma relação de confiança entre as partes na qual o empregador fica vulnerável à idoneidade do colaborador — o que, na prática, não faz sentido, visto que se está confiando em uma pessoa para cometer uma prática ilegal. Se ela é capaz de se arriscar por isso, por que hesitaria em denunciar a empresa no caso de uma demissão?
Movido pelo sentimento de rejeição ou injustiça, esse indivíduo pode agir de má-fé e alegar uma coação da empresa. É um tipo de causa que ele facilmente ganhará, desfalcando a organização com o pagamento de multas e indenizações. Se isso já parece grave, imagine multiplicado pela quantidade de funcionários.
Estímulo a práticas ilegais
Outro ponto ruim é que o fato de oferecer essa possibilidade faz com que a empresa estimule uma cultura de práticas ilegais em suas equipes. Nesses cenários, é comum a disseminação de pensamentos como “só um pouquinho não tem problema”, “ninguém está vendo” e “não vai dar em nada”.
Tudo isso gera profissionais tendenciosos a mascarar resultados ruins, cometer pequenos furtos de materiais e até mesmo dinheiro, ou pior, cometer crimes graves em nome da empresa. Além de prejudicar a integridade moral dos colaboradores, ações assim minam a credibilidade da marca no mercado e suas chances de crescimento e sucesso.
Como se precaver desses problemas?
A melhor forma de se prevenir de situações como as exemplificadas no tópico anterior é seguindo a lei adequadamente. Para isso, temos algumas dicas muito eficientes.
Ofereça o cartão de vale-transporte
O vale-transporte em cartão é a melhor forma de oferecer o benefício. Ele é entregue ao funcionário logo que ele chega à empresa e, depois disso, basta realizar as recargas mensalmente de forma remota nas plataformas dos fornecedores ou em softwares especializados.
O uso dele é bastante simples e, quando bem gerenciado, não há o risco de o colaborador ficar sem saldo. Além do mais, o sistema de integração dos transportes públicos de boa parte das cidades do País depende dos cartões para oferecer descontos nos trajetos que envolvam mais de um modal, como ônibus e metrô.
Gerencie o benefício de forma adequada
A gestão eficiente do vale-transporte depende do acompanhamento constante dos saldos e utilizações dos colaboradores. Nesse sentido, é indispensável a ajuda de um sistema que gerencie todo o processo, desde a conferência dos saldos de cada cartão, o valor correto das recargas a cada mês e a realização dos pedidos junto às fornecedoras.
Essas medidas ajudam a controlar o acúmulo de saldos, evitar a venda de passagens por funcionários no mercado paralelo e ainda geram economia tanto para a empresa quanto para os colaboradores.
Ofereça alternativas de transporte de forma legal
Por fim, uma das justificativas das empresas para o pagamento em dinheiro é relativa ao uso de veículo próprio em lugar do transporte público. Nesses casos, o trabalhador pode optar por não receber o vale-transporte e a empresa oferecer o vale-combustível, mas não em substituição, apenas como um benefício optativo.
Também é possível incentivar o uso de outras formas de ir ao trabalho, como as caminhadas e corridas, bicicletas ou até mesmo a carona compartilhada. Com a ajuda de um aplicativo, a empresa pode monitorar os diversos modais e gerenciar melhor seus custos com vale-transporte, além de contribuir com a mobilidade corporativa.
Aplique boas práticas de gestão
É sempre bom estar em constante aprimoramento. Acompanhar de perto as mudanças legislativas e cumpri-las, roteirizar de forma inteligente os trajetos e controlar saldos são apenas algumas das melhores práticas de gestão de benefício para aplicar em seu negócio.
O que a lei diz sobre o pagamento de VT?
Há diversos dispositivos que tratam do pagamento de vale-transporte. Basicamente, o entendimento é de que o benefício não tem natureza salarial nem se incorpora à remuneração. Portanto, não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de FGTS.
Ao longo do tempo, a legislação sofreu várias alterações. Dessa forma, é importante acompanhar as principais mudanças, conhecer as leis e avaliar os impactos até os dias atuais para aplicá-la corretamente. Veja agora uma cronologia das legislações sobre vale-transporte.
CLT (1943)
Sabemos que a Consolidação das Leis do Trabalho é a principal legislação a ser obedecida por empregadores. Ela surgiu em 1943 e, inicialmente, não previa o benefício de transporte a colaboradores. Veremos à frente como surgiram alterações importantes para essa contemplação.
Lei N.º 7.418 (1985)
Em 1985, surgiu a lei que instituiu o vale-transporte. O objetivo dessa lei foi garantir ao empregado o direito de receber antecipadamente as despesas de deslocamento entre residência e trabalho e vice-versa por meio de transporte público. Para a aplicação correta desse benefício, vale considerar o artigo 2º, que estabelece:
Art. 2º – O Vale-Transporte, concedido nas condições e limites definidos, nesta Lei, no que se refere à contribuição do empregador: (Renumerado do art . 3º, pela Lei 7.619, de 30.9.1987)
a) não tem natureza salarial, nem se incorpora à remuneração para quaisquer efeitos;
b) não constitui base de incidência de contribuição previdenciária ou de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço;
c) não se configura como rendimento tributável do trabalhador.
Vale colocar que a lei foi decretada na gestão de José Sarney e objetivava garantir a mão de obra em todos os setores, além de acrescer financeiramente o salário de colaboradores. Finalmente, destacamos que o benefício inicialmente era de pagamento facultativo.
Lei N.º 7.619 (1987)
Mais tarde, a alta inflação trouxe diversos problemas para o País, entre eles, a alta de preços e a defasagem de salários. Com isso, o Governo enxergou no benefício de vale-transporte uma oportunidade para amenizar isso. Assim, a Lei nº 7.619, de 30 de setembro de 1987, alterou dispositivos da lei anterior de forma a obrigar o empregador a conceder esse benefício.
Decreto N.º 95.247 (1987)
Ainda em 1987, este Decreto teve a função de estabelecer particularidades importantes como beneficiários, usabilidade, direitos, operacionalização, poderes concedentes e órgãos de gerência, além de incentivos fiscais. Parte importante desse decreto impõe que o vale-transporte não deve ser concedido em dinheiro, conforme o artigo 5º dispõe:
Art. 5° É vedado ao empregador substituir o Vale-Transporte por antecipação em dinheiro ou qualquer outra forma de pagamento, ressalvado o disposto no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. No caso de falta ou insuficiência de estoque de Vale-Transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado, por conta própria, a despesa para seu deslocamento.
Lei N.º 11.788 (2008)
A Lei nº 11.788, de 25 de setembro de 2008, surgiu para reger o estágio de estudantes. Especificamente em seu artigo 12, essa lei se refere à concessão de vale-transporte aos estagiários, devendo ser cumprida somente na modalidade de estágio não obrigatório.
Reforma Trabalhista (2017)
Finalmente, a última alteração importante ocorreu por meio da Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Apesar de não impactar diretamente o benefício, a lei estabeleceu que o trajeto de ida e volta para o trabalho não deve ser considerado como jornada.
Por que acontece tanta confusão quando se trata de pagar o VT?
É importante asseverar que a concessão do benefício de vale-transporte não segue valores fixos a serem repassados. Muitas variáveis são consideradas como roteirização, uso do benefício e proporcionalidades de descontos. Dessa forma, o cálculo sempre fica muito complexo quando se trata de um grande número de colaboradores.
Além disso, o próprio colaborador pode optar por não receber o benefício. Todas essas variáveis se alteram de colaborador para colaborador. Outro ponto se refere ao pagamento de vale-transporte em dinheiro ,que é permitido somente em casos especiais.
Pelo lado do funcionário, pode haver mau uso, com trajetos para questões particulares, empréstimos para terceiros, acúmulo por escolha de transporte particular e até a negociação em mercado paralelo, resultando em diversos cenários a serem fiscalizados para combater o uso inadequado.
Outras questões envolvem ainda o pagamento a estagiários de acordo com sua modalidade e a correta interpretação de integração à remuneração. Todas essas questões colaboram para confundir a cabeça do gestor e trazer inconsistências caso ele opte por controles manuais.
Quais são os principais problemas de pagar VT em dinheiro?
Há uma brecha na lei que permite a concessão de pagamento de vale-transporte em dinheiro, porém, isso só pode acontecer em casos extremamente específicos, ou seja, se o gestor não tiver esse entendimento, pode incorrer em grave erro ao conceder o benefício permanentemente em dinheiro. Veja alguns problemas.
Gestão prejudicada
Os possíveis erros de cálculos representam um dos principais problemas. É normal que os gestores não consigam se organizar corretamente e incorram em falhas na concessão do benefício. Isso só reforça a importância dos sistemas de gestão que auxiliam nesse controle de forma eficaz e inteligente.
Uso indevido por colaboradores
Sendo de má-fé ou não, a concessão desse benefício em dinheiro abre brechas para que o colaborador use inadequadamente o vale-transporte. Com isso, é provável que o funcionário caia no erro de aplicar esse recurso em questões particulares e acabe inviabilizando a sua ida ao trabalho por alguns dias.
Risco de processos trabalhistas
Outro fator que atesta a inviabilidade de concessão desse benefício em dinheiro é a possibilidade de sofrer passivos e acabar enfrentando problemas judiciais que trazem prejuízos para a organização e para a imagem da marca.
Por isso, o importante é aplicar boas práticas como o uso de cartões e sistemas informatizados que integram a gestão ao controle de ponto, à roteirização otimizada e ao cálculo legislativo adequado em cada situação específica.
Enfim, existem diversas formas de evitar o pagamento do vale-transporte em dinheiro, basta seguir as dicas deste artigo e se manter em dia com a legislação. Os benefícios vão desde a prevenção aos passivos trabalhistas até a melhoria na qualidade de vida dos colaboradores. Então, não deixe de pensar nisso em sua gestão!
E você, já viveu situações de pagamento de vale-transporte em dinheiro? Comente aí que teremos o prazer em interagir!